O não libertador.

Chatos. Assim somos chamados quando negamos algo a alguém que muito quer alguma coisa. Afinal, que mãe é essa que consegue, sem pestanejar, dizer não para aqueles olhos brilhantes e rostinho esperançoso de quem diz, com um sorriso, um penoso por favor? Que amigo é esse que nega um favorzão pro seu camarada? Quem é você, afinal?
O sim é o oponente gentil do não ditador. Ele abre portas, proporciona novas experiências. O sim agrada. Mas não se engane, meu caro. O mesmo sim também corrói. E arrisco a ir mais além: um sim é muito mais poderoso e, o seu poder, com todo seu disfarce de inocente, pode ser destruidor. Naturalmente, ninguém gosta de ser contrariado – passamos a vida inteira acreditando nos encantos da liberdade extrema, detestando quando somos impedidos de algo que queremos com todas as forças. Acumular gatos, acampar com os amigos, faltar a aula ou entregar o trabalho na próxima semana – acreditamos que estamos sendo punidos se os nossos desejos passam a ser negados.
Mas não é somente quem ouve que desgosta do bom e velho “não”. Há pessoas que acreditam que ser agradável o tempo todo é um exemplo de cidadania. Dentro e fora de casa, elas espalham os “sim” pela vida afora, ignorando os males que estão sendo criados a partir da aceitação excessiva. Para o mundo e pra ela. Quem muito diz sim não o faz por ser bom de coração: trata-se de alguém inseguro com necessidade de aceitação. E por viver querendo agradar, deixa de satisfazer a pessoa que mais importa: ela mesma.
O não é duro, mas impõe limites.
Alguém que, no trabalho, aceita e acata a todos os pedidos do chefe e dos demais colegas, em vez de ser reconhecido profissionalmente pelos esforços, termina, muitas vezes, acostumando todos a lhe dar trabalhos extras, demonstrando postura de alguém fraco e sem personalidade. Neste caso, o emprego certo da negativa limita o que é dever e o que é respeito.
Hoje em dia não é nada fácil ser mãe com todas as responsabilidades fora de casa. Muitas vezes essa mãe não tem tempo suficiente pra passar com o seu filho e, em troca, decide tolerar as malcriações do seu pimpolho e, assim, admite o sim como estratégia de substituição. Ela passa a crer que será uma mãe ruim se,  além de faltar com atenção, ainda reprime os desejos da sua prole. Porém, o que acontece, geralmente, é o extremo oposto: um não dito na hora certa é o fator que determinará o caráter e a personalidade da criança na fase adulta.
O mesmo também ocorre nos relacionamentos. Nem tudo o que é pedido, é aquilo que estamos confortáveis para oferecer. Seja físico ou emocionalmente: se não estamos prontos, não há motivos pra discutir.
Tampouco fica mais fácil entre amigos. Muitas pessoas confundem para que serve a amizade. Acreditam que amigo mesmo é aquele que está sempre disposto a aceitar suas propostas, convites ou ideologia. Pensam que amizade forte é aquela que o outro empresta as chaves do carro, te busca nas baladas, paga as suas entradas, te empresta grana pra sair com a gostosa da repartição. Não. Amigo é aquele que te sacode quando você passa dos limites e te dá um toque quando é hora de parar, pelo bem da amizade e da sua imagem. Amigo é aquele que sabe dizer não para o seu próprio bem.
E, ainda que soe esquisito, acredite: o não é libertador. Ele castiga quando é preciso, impede besteiras, traça limites, forma personalidades, protege e demonstra atenção e carinho. Pelo fim da culpa de dizer não, saibamos, enfim, desfrutar deste difamado benfeitor!

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